quarta-feira, 24 de março de 2010

Não sei dizer quando foi que a menina me apareceu. No abacateiro que vejo da minha janela, ela ficava pendurada. As pernas balançando, os olhos pra lá e pra cá, o sorriso aberto. Eu tentava imaginar o que ela imaginava, tentava adivinhar o que fazia seu sorriso se abrir. Tão grande. Mas ela não respondia o que eu não perguntava.
Quando ela sumia, alguma coisa ficava na minha janela. Uma foto. Uma flor. Uma faca suja de cobertura de bolo. Eu não me incomodava de limpar, de guardar as coisas. O que me incomodava era não tê-la por perto, não ver os abacates escapando de suas mãos, não registrar o seu riso pra poder levar comigo em mais um dia.
A menina era uma lembrança, uma conquista, uma página virada e um desafio. A menina era a menina e era eu. Não sei dizer quando desapareci.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Eu vou voltar pra Cantareira

Cidadãs do mundo e cidadãos infiltrados: Glauco hoje morreu, ou melhor, foi matado. Acompanhando hoje as notícias pela internet, notei como a repercussão em BSB foi praticamente nula, enquanto a parte que eu gosto de Sampa chorava sem freios. Engraçado isso, Arruda preso pra paulista é curiosidade, aqui é o destino das nossas vidas, ou algo do tipo.


São fatos distintos, ainda mais que o caso Glauco parece ter desdobramentos místicos. Não conhecia essa faceta dele, de missionário do Daime ou algo similar. Para mim ele tinha a cara do Geraldão, assim como o Laerte e o Angeli eram a cara de seus personagens, muitas vezes anônimos. Conheci, portanto, o artista, não o homem.


Artista? Conversávamos, eu e a Piti, há pouco, “como pode um cara desses fundar uma igreja”? Mesmo o anti-desenho dele parecia querer negar qualquer pretensão à arte. Quando soube que ele tinha sido vítima de uma “tentativa de assalto”, achei irônico, como se ele tivesse sido morto pelo Faquinha, um dos seus últimos personagens.


Faquinha era um moleque de rua, cheirador de cola e outros trecos, vendia orégano pra plaiyboizada, assaltava de trabucão em mãos, essas coisas. Era como se o Glauco tivesse encontrado o Faquinha cara a cara e, “mano, sem perdão”, tá ligado?! Mas parece que a coisa é mais complexa, a vítima conhecia o carrasco – sem contar que o filho de Glauco, anônimo frente à pouca expressividade do pai, também dançou.


Sem conclusões, sem moralismos, cada qual com seu Daime, afinal. Mas o que eu queria dizer é que a morte do quase anônimo cartunista (pelo menos para os brasilienses, às voltas com questões mais graves), me tocou. “Tocou”, só? Acho que sim, tenho especulado, achado que a morte das pessoas, as mais próximas, nos choca principalmente porque fala da nossa própria morte.


E vocês, conheceram o Glauco?

(Assinado: Rinoceronte pulando a cerca.)