quarta-feira, 26 de novembro de 2008

- Então, falei pra ele que a mágica do primeiro dia acabou. E ele: "E o café também. 'Cê vai lá no mercado?"
- Como fazem alguns animais, se mimetizam.
- Ãã?
- É. Pra que os predadores não os vejam.
- Tá dizendo que ele tem medo de mim?
- Tem. Acho que tanto que não fala. Proteção, de novo.
- Aí então faz piada?
- É. Fuga. E sabe do que mais? Não existem comidas azuis porque os seres humanos instintivamente associam essa cor aos venenos - sabia?
- Aããã?
- Ele deve ter ficado com medo dos teus olhos. Medo de se envenenar, de se perder.
- Tá bom, outra hora a gente conversa. 'Cê tá muito científica hoje.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Bukowski

Um poema de amor

todas as mulheres
todos os beijos delas as
formas variadas como amam e
falam e carecem.

suas orelhas elas todas têm
orelhas e
gargantas e vestidos
e sapatos e
automóveis e ex-
maridos.

principalmente
as mulheres são muito
quentes elas me lembram a
torrada amanteigada com a manteiga
derretida
nela.

há uma aparência
no olho: elas foram
tomadas, foram
enganadas. não sei mesmo o que
fazer por
elas.

sou
um bom cozinheiro, um bom
ouvinte
mas nunca aprendi a
dançar — eu estava ocupado
com coisas maiores.

mas gostei das camas variadas
lá delas
fumar um cigarro
olhando pro teto. não fui nocivo nem
desonesto. só um
aprendiz.

sei que todas têm pés e cruzam
descalças pelo assoalho
enquanto observo suas tímidas bundas na
penumbra. sei que gostam de mim algumas até
me amam
mas eu amo só umas
poucas.

algumas me dão laranjas e pílulas de vitaminas;
outras falam mansamente da
infância e pais e
paisagens; algumas são quase
malucas mas nenhuma delas é
desprovida de sentido; algumas amam
bem, outras nem
tanto; as melhores no sexo nem sempre
são as melhores em
outras coisas; todas têm limites como eu tenho
limites e nos aprendemos
rapidamente.


todas as mulheres todas as
mulheres todos os
quartos de dormir
os tapetes as
fotos as
cortinas, tudo mais ou menos
como uma igreja só
raramente se ouve
uma risada.

essas orelhas esses
braços esses
cotovelos esses olhos
olhando, o afeto e a
carência me
sustentaram, me
sustentaram.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

A caixa

Pararam todas em frente à caixa. Ai, eu acho que a gente não deveria abrir – disse a Gabi, enquanto a Piti e a Mariana dicutiam sobre as cores e os desenhos. É, ela é tão linda... por mim nem precisa abrir – suspirou a Silvinha. Até porque não deve ter nada dentro – argumentou a Caetana – vamos abrir isso aí à toa. Mesmo assim, eu queria abrir, porque só o ato de abrir já é um aprendizado – soltou a Carlinha. É, gente, vamos lá – falou a Raquel, batendo palmas – Coragem! Vai que tem um companheiro aí dentro... foi a sugestão da Ana. Ou um pacote de viagem para todas nós irmos pra Fortaleza?! Viajou a Jaana. Eu acho que tem muita paz, luz e amor aí dentro – viajou mais um pouco a Teliana. Pra mim, se tiver um engradado de cerveja já tá bom – disse a Amanda, mais realista, recebendo os aplausos das que concordaram. A lista foi aumentando: uma queria que tivesse uma cadeira de praia, a outra só dinheiro mesmo – de preferência dólar. Umas pensaram que iria ter um bolo ou outra coisa assim, de comer. Três chutaram que apareceria uma pessoa – Morgan Freeman, Tiririca, Fernando Haddad. E várias outras coisas foram lembradas. Uma bóia, o paradeiro do Elvis, a taça Jules Rimet, meu caderno da primeira série, um carneiro afegão geneticamente modificado, o segredo da skol, um plano de carreira assinado pelo Lula, uma fantasia do Clóvis Bornay, uma árvore de natal, um atendente de telemarketing, a verdade sobre o Mestre dos Magos e o Vingador, uma panela de mandioca cozida, as 'obras completas' do Paulo Coelho... Peraí, peraí, vamos organizar isso aqui – sugeri eu. Que tal uma aposta?? Ninguém aceitou. Então sentaram-se umas em cima, outras em volta da caixa, quando a Milena gritou: Vamos tirar uma foto! Vamos tirar uma foto!