quarta-feira, 29 de novembro de 2006

voltar


Já anoitecera quando desceu da árvore. Quarenta e dois passos apenas (ela havia contado muitas vezes) a separavam de casa, mas sabia que a mãe não iria gostar de vê-la chegando àquela hora. Sabia também que lhe pediria explicações - Por que fez o que fez? Explicações preparadas, entrou em casa. Desarmada que foi pela cena da mãe com a cabeça afundada entre os braços e os braços na mesa, só pode falar: Ele vai voltar, mãe. Não fica assim.

Mas a mãe não levantou a cabeça e nem parecia lhe ouvir. O pai havia ido embora e agora aquilo.

Ela achava (achava nada, tinha certeza) que estava fazendo a coisa certa. Não a toa passaria o dia inteiro planejando, combinando... instruindo o bicho. A idéia de que ele conseguiria trazer o pai de volta lhe parecia bastante razoável, louvável até. Imaginava o azulão bicando os ombros do pai e cantando sem parar em seus ouvidos. Era impossível que ele não reconhecesse seu pássaro, que não entendesse o recado e que não voltasse, comovido, a viver com a família. Para a menina, tudo era muito simples, inclusive a pequena viagem de algumas centenas de quilômetros que o azulão faria à procura do pai em outra cidade. Claro que o encontraria, claro.

Mas essas coisas, que lhe passaram num instante, ficaram só na sua cabeça, porque notou que a mãe não estava para conversa; não quis gastar saliva e ter de repetir tudo depois.

No dia seguinte, ao voltar da escola, não encontrou a mãe. Acreditou que ela pudesse estar na praça da cidade. E estava.

Parada em frente ao chafariz seco com a gaiola do azulão aos pés, a mãe cantava. Ninguém parado a olhava ou a ouvia, e ninguém mais a olharia ou a ouviria sem o canto melodioso do pássaro acompanhando sua música. Dinheiro então, quem daria?

Palpitando na cabeça da menina, uma pergunta: Será que serve se eu cantar com ela?

terça-feira, 28 de novembro de 2006

Monstros do trânsito

Por ter acordado mais tarde do que costumo, hoje peguei trânsito intenso na rodovia que vai de Águas Claras a Brasília, chamada EPTG (sigla cujo significado desconheço). Precisava ver: um inferno. E olhe que há horários piores, disseram-me.

O(a)s motoristas têm pressa, muita pressa. Então, mesmo vendo que há filas quilométricas de carros, tentam avançar, mudam de pista, "costuram", enfim, desesperam-se e pioram o que já está ruim.

Eu vou, no limite permitido de velocidade, atenta a tudo e a todos. Se a pista permite 60 Km/h eu vou a 60 Km/h. Se é 80, 80. Sempre com um olho no velocímetro, um na pista, um no retrovisor, um em cada espelho lateral, outro nos carros dos lados. Sou um bicho todo olhos.

Invariavelmente, vem alguém atrás forçando a passagem. Ignoro. Impassível, continuo na velocidade permitida. Aí, o(a) afoito(a) me ultrapassa, dando-me alívio temporário, já que, indefectivelmente, virá outro(a) com o mesmo comportamento.

Assim, mesmo com o fluxo intenso, comecei a divagar – mobilidade urbana, transporte individual e coletivo, essas coisas. Aqui em Brasília, já elegi meu inimigo: os furgões de transporte alternativo, as chamadas "vans" ou "lotações".

Os motoristas desses veículos são terrivelmente ousados e irresponsáveis: excedem todos os limites de velocidade, "cortam" e "fecham" os outros carros, fazem curvas em altíssima velocidade e sem nenhuma segurança, enfim, abusam.

Junto a eles, há os ônibus das empresas convencionais. Também muito atrevidos, seus motoristas entram na pista quando bem entendem, pressionam para ultrapassar e disputam espaço com os furgões alternativos. Então, meus inimigos estão no transporte coletivo.
Na via que utilizo há quatro pistas. Três delas são, infalivelmente, ocupadas por carros de passeio. A quarta, obviamente a última da direita (devido às paragens), por ônibus e furgões. Então, é sobre os veículos que estão na penúltima à direita que eles avançam para ultrapassar. Estes, por sua vez, deslocam-se para a próxima, e assim sucessivamente, causando os transtornos e solicitando toda a atenção de condutore(a)s cuidados(a)s e correto(a)s como eu.

São três pistas para veículos individuais e uma para transporte coletivo. Três quartos do espaço ocupados por carrinhos que levam uma, duas pessoas. Apenas um quarto ocupado por viaturas carregando 40, 50, 60 usuários... Pensei numa situação contrária. Imagine quanta gente mais poderia ser transportada.

Então, vejamos o raciocínio: há só uma pista para o transporte coletivo, que ocupa apenas um quarto do espaço das vias, mas ele é o inimigo?
“A conclusão: o que atrapalha o trânsito – e, por conseguinte, o funcionamento de toda a sociedade – são os pobres e suas absurdas necessidades.

É para transportar os pobres que existem esses monstruosos carros: enormes, cheios, acossando-nos nas pistas, impondo-se sobre nós, motoristas indefesos em nossos carrinhos. Há até uma injusta lei de trânsito dando-lhes prioridade sobre veículos individuais.

Por que cargas d’água esses pobres apinham-se em ônibus, furgões, lotações, “vans” ou o que quer que seja, no mesmo horário em que nós, membros da classe média, que constrói o progresso, levando o país nas costas, temos de sair para o trabalho, a escola, a vida?

Essa absurda necessidade que eles têm de se mover impede o andamento do trânsito. Sem esses ônibus e furgões repletos de trabalhadores, com seus motoristas irresponsáveis, imagine a fluidez do trânsito. Seria uma beleza, uma maravilha.

Mais coisas impedem a tranqüilidade no trânsito. Uma delas é essa incompreensível necessidade que estudantes, crianças, adolescentes e jovens têm de exercer sua capacidade de se movimentar! Outra é a inaceitável necessidade que os velhos têm de sair de casa, sabe-se lá para que! E a inconcebível necessidade que os deficientes físicos possuem de se locomover? Sem comentários.

Por conta desses cidadãos, o poder público é obrigado a nos submeter a faixas, semáforos, limites de velocidade e outros fatores que cerceiam nosso direito de correr desenfreadamente pelas vias – temos compromisso, horários, trabalho!

E o que dizer de moto-entregadores e taxistas? Gente insuportável, que atrapalha todo o trânsito. Eles só deviam existir quando temos vontade de comer uma pizza, necessidade urgente de entregar um documento ou pressa de chegar a aeroportos.”

Esse é o pensamento da boa classe mediazinha de merda que sou; xingo o motorista do ônibus, enraiveço-me contra as lotações, rogo pragas a motoqueiros e taxistas, gente que está trabalhando.

Percebo de que ser atenciosa, cuidadosa e correta no trânsito não me exime de ser uma monstra. Monstros do trânsito somos nós, que queremos nosso carrinho individual a qualquer preço, não respeitamos o trânsito, não lutamos por um transporte coletivo de qualidade, digno, capaz de atender às necessidades da população.

Monstros do trânsito somos nós, da classe média – mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa –, que preferimos inchar as cidades com nossos coloridos carrinhos, poluindo, impedindo a mobilidade alheia, em nome da nossa pressa, do nosso conforto e do nosso egoísmo. E ainda achamos que os que trabalham no trânsito são os vilões.

Monstros do trânsito somos nós que não lutamos para que haja mais ônibus, mais metrôs, mais trens, mais seja lá o que for que não somente atenda a alguns privilegiados que estudam em escolas particulares e trabalham em gabinetes com ar-condicionado, mas seja capaz de dar condições dignas de locomoção aos que precisam se locomover – e esses são todos os cidadãos.

E seremos cada vez mais monstros enquanto continuarmos neste nosso mundinho egoísta, fechadinho, que faz cara de nojo a quem anda a pé pelas ruas e não vê essas pessoas como cidadãos. Enquanto adorarmos nosso sagrado veículo individual sobre todas as coisas. É duro, mas é vero.

Quanto ao meu recém-adquirido carrinho popular zero quilômetro branquinho veloz e confortável, gosto tanto do bichinho...

quarta-feira, 22 de novembro de 2006















...é incrível como nossa curiosidade, necessidade de conhecer, compreender e, às vezes, vontade de melhorar nos leva a fazer coisas inimagináveis e a buscar dominar terrenos até então inexistentes. Estou gostando muito da academia! Estou adorando estudar sobre alimentação, engordar, anorexia, e coisas e tal. Algo tão cotidiano, alimentar-se.Coisa tão estranha,
comer...

Hoje

Hoje estou decidida, vou contar tudo sobre mim.
Uso águas de colônia baratas e cervejas caras. Tenho um par de sapatos modernos, de prata azulada, que calço para ir ao mercado todos os dias e à Lua quando dá tempo.
Odeio fícus podados – coitados, tenho dó. Acho árvore mais bonito do que flor. As de Campo Grande são lindas, copadas, cheias, verdinhas. Algumas regiões da cidade, vistas do alto (mas não muito), assemelham-se à imagem que as crianças fazem das nuvens. Parecem chumaços de algodão verde. Tenho a impressão de que se pode sair pulando sobre as elas. Disso me veio a idéia de elaborar um livro infantil, já publicado, mas nunca escrito.
As melhores coisas de Campo Grande são suas árvores e minhas mãos. Tenho unhas ridículas: minúsculas e arrebitadas, que mantenho curtas e lixadas, mas sonho em ter enormes e vermelhas. Quando você me vir na rua, será impossível que eu não o reconheça.

sexta-feira, 17 de novembro de 2006

E por falar em cruzar...

Já que o assunto é cruzamento, trago para nosso quintal uma outra perspectiva do assunto. Menos sexual, com certeza, o que provavelmente espantará todos. Convido, então, Alice Ruiz...

Se
se por acaso

a gente se cruzasse
ia ser um caso sério
você ia rir até amanhecer
eu ia ir até acontecer
de dia um improviso
de noite uma farra
a gente ia viver
com garra
eu ia tirar de ouvido

todos os sentidos
ia ser tão divertido
tocar um solo em dueto
ia ser um riso

ia ser um gozo
ia ser todo dia
a mesma folia
até deixar de ser poesia
e virar tédio
e nem o meu melhor vestido
era remédio
daí vá ficando por aí
eu vou ficando por aqui
evitando
desviando
sempre pensando
se por acaso
a gente se cruzasse...

Verídico ou não, lá vai

Cartilha Contra a Libertinagem Sexual da Igreja Universal do Reino de Deus


Posição de quatro
É uma das posições mais humilhantes para a mulher, pois ela fica prostrada como um animal enquanto seu parceiro ajoelhado a penetra. Animais são seres que não possuem espírito, então o homem que faz o cachorrinho com sua parceira, fica com sua alma amaldiçoada e fétida.

Opa! Reparem que é o homem que terá sua alma amaldiçoada. Mulherada, relax!!


Sexo Oral
O prazer de levar um órgão sexual a boca é condenado pelas leis divinas. A boca foi feita para falar e ingerir alimentos e a língua para apreciar os sabores. A mulher engolindo o sêmen não vai ter filhos. E o homem somente sentirá dores musculares na língua ao sugar a vagina de sua parceira.

Opa de novo! Como é que essa história de que engolir sêmen serve de método anticoncepcional ainda não foi amplamente divulgada?? Pô, tô gastando 30 pilas por mês a toa?!
Outra coisinha: os caras não sacam nada da anatomia humana, né? Não sabem que a língua é o músculo mais potente do nosso corpo? Pro cidadão ficar com dor na língua tem que passar, no mínimo, 48 horas chupando.


Sexo Anal (Sodomia)
O ânus é sujo, fétido e possui em suas paredes milhões de bactérias. É o esgoto propriamente dito. No esgoto só existe ratos, baratas e mendigos. A pessoa que sodomisa ou é sodomisada ela se iguala a um rato pestilento. Seu espírito permanece imundo e amaldiçoado. Mas o pior é quando o ato é homossexual, pois o passaporte dessa infeliz criatura já está carimbado nos confins do inferno.

Ôôôôôôô! Ratos, baratas e mendigos?! Que imaginação que esses caras têm, hein? Mó pervertidos! Nunca vi disso... nem em filme pornô.


Vejam a maneira certa de se relacionar sexualmente com sua parceira, segundo a cartilha:

Posição Recomendada
O homem e a mulher devem lavar suas partes com 1 litro de água corrente misturado com uma colher de vinagre e outra de sal grosso. Após isso, a mulher deve abrir as pernas e esperar o membro enrijecido do seu parceiro para iniciar a penetração. O homem após penetrar a mulher, não deve encostar seu peito nos seios dela, deve manter uma distância pois a fêmea deve estar orando aos santos para que seu óvulo esteja sadio ao encontrar o espermatozóide. Depois do ato sexual, os dois devem orar, pedindo perdão pelo prazer proibido do orgasmo. Como penitência... o açoite com vara de bambu é aceito em forma de purificação.


Ok! Agora, ao invés de levar uma camisinha na bolsa ou na carteira, andaremos com uma 'lancheira' recheada de 1 litro de água, vinagre e sal grosso – afinal, nunca se sabe quando pode rolar uma oração por aí com alguém...
Mas que a perversão come solta nessa cartilha, ninguém pode negar: primeiro foram os bichos escrotos e os mendigos; e dessa vez é a vara de bambu! Tô dizendo... ainda temos muito o que aprender com esse povo da igreja.

segunda-feira, 13 de novembro de 2006

Pra dar risada



Essas e outras tiras estão em http://ubbibr.fotolog.com/liniers_macanudo/
Quase todo dia tem uma nova. Vale a pena.

sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Sexta é dia de


Recebi, há alguns meses, um e-mail com essa e outras imagens que representam 'ao pé da letra' expressões idiomáticas reveladoras da inteligência e do humor brasileiros. Agora descobri que elas fazem parte do livro Pequeno Dicionário Ilustrado de Expressões Idiomáticas (editora DBA, 2004), dos fotógrafos Everton Ballardin e Marcelo Zocchio, e estiveram expostas numa mostra em Salvador. Será que passou por Brasília e eu não fiquei sabendo??
Outro que já brincou com os ditos populares foi Mario Prata, em Mas será o Benedito? (Globo, 1996), livro no qual o escritor faz uma análise muito bem humorada e sem qualquer rigor histórico de mais de 400 provérbios e expressões do nosso país. Dêem uma olhada no verbete que dá nome ao livro:

mas será o Benedito?

SIGNIFICATIVO:

Expressão de espanto diante de determinada situação.

HISTÓRICO:

Era uma vez dois compadres do interior. Benedito, casado com Rosinha, e Oswaldo, solteiro. Oswaldo vivia de olho em Rosinha. Um dia Benedito foi viajar para a cidade. Toca o Oswaldo a cantar a Rosinha, na casa dela. Depois de muito assédio e sedução, Rosinha concorda, mas resolve tomar um banho antes, porque está um calor danado. Oswaldo vai para o quarto do casal e fica completamente nu. Nisso, Benedito volta. Oswaldo ouve barulho na sala e pensa: "Mas será o Benedito?" Era. Benedito entra no quarto, vê o compadre completamente nu e pergunta:

- Mas, cumpadre, o que qui ocê tá fazeno na minha cama, cumpadre?

- Sabe o que é, Benedito? Tava lá em casa, sozinho, acabrunhado, sem saber o que fazer, esse calorão danado, pensei: vou lá na casa do Benedito dá o cu pra ele.



Mas o "molhar o biscoito" aí de cima, eu não encontrei... Se alguém souber a explicação científia ou a origem histórica da expressão, por favor, conte!

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

A apresentação que não foi feita

Mariana Cíntia de Los Rincones: Uma quase-balzaquiana. Mineira. Psicóloga. Quando bebe, no lugar da coluna vertebral coloca uma vara de pescar – enverga, mas não quebra. Foi batizada com esse simpático nome após uma participação especial numa pseudo-virtual-novela chicana.

Jaana
: A cearense mais branquela do planeta. Faz mestrado e especialização e ainda encontra tempo para dar seus gritinhos nos ouvidos castigados dos amigos. Não sabe diferenciar maconha de Gudan Garan.

Cae: Nossa goiana já foi oboísta (“obo o que??” Não me perguntem! Corram até o dicionário e enriqueçam seu palavrório). Quem a vê no trabalho, jura que ela é séria – o que não contradigo para não sofrer represálias em casa (vá que ela não me deixe mais comer granola...).

Esperando Godot
: Naturalmente brasiliense. Dança, canta, representa, toca pandeiro, assovia e chupa cana. Não necessariamente nessa ordem. Não sei porquê foi estudar na Unicamp, mas já se deu conta da bobagem e agora está na UnB.

Ana Silva: A mulher da terra da mandioca. Jornalista, militante política e amante de Chico Buarque. Acho que não deveria contar que ela está pagando pena alternativa por crime eleitoral, não é? Fora isso, posso garantir que ela é do bem. Preguiçosa, mas do bem.

Valéria: Mais nova vó da paróquia (o Miguel que se prepare!). Uma quase-brasiliense, quase-louca, quase-tudo. Já morou em Florianópolis e sobreviveu à maresia e ao mofo com grande bravura. Como seqüela, ficaram apenas algumas bolhas dentro da cabeça.

Lídia
: Essa que vos escreve, finalmente, depois de três meses. Manezinha da Ilha no Planalto Central há um ano e meio. Roedora compulsiva de unhas. Muitos dizem que sou grossa, mas na verdade sou um poço de ternura.

Não creio

Caralhoooooooooooo! Consegui entrar!!

(Será que é verdade?!)


Agora que tô aqui, vamos às reivindicações: Quintal improdutivo não dá! Ou todo mundo começa a plantar suas palavras por aqui ou o MSB (Movimento dos Sem Blog) vai tomar conta dessa terrinha.